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domingo, 13 de julho de 2008

MUSEUS, MEMÓRIAS E MOVIMENTOS SOCIAIS

Mário Chagas[1]
I
Da modernidade ao mundo contemporâneo os museus são reconhecidos por seu poder de produzir metamorfoses de significados e funções, por sua aptidão para a adaptação aos condicionamentos históricos e sociais e sua vocação para a mediação cultural. Eles resultam de gestos criadores que unem o simbólico e o material, que unem o sensível e o inteligível. Por isso mesmo, cabe-lhes bem a metáfora da ponte lançada entre tempos, espaços, indivíduos, grupos sociais e culturas diferentes; ponte que se constrói com imagens e que tem no imaginário um lugar de destaque.
Durante longo tempo os museus serviram apenas para preservar os registros de memória e a visão de mundo das classes mais abastadas; de igual modo funcionaram como dispositivos ideológicos do estado e também para disciplinar e controlar o passado, o presente e o futuro das sociedades em movimento. Na atualidade, ao lado dessas práticas clássicas um fenômeno novo já pode ser observado. O museu está passando por um processo de democratização, de ressignificação e de apropriação cultural. Já não se trata apenas de democratizar o acesso aos museus instituídos, mas sim de democratizar o próprio museu compreendido como tecnologia, como ferramenta de trabalho, como dispositivo estratégico para uma relação nova, criativa e participativa com o passado, o presente e o futuro. Trata-se de uma denodada luta para democratizar a democracia[2]; trata-se de compreender o museu como um lápis[3], como uma singela ferramenta que exige certas habilidades para ser utilizada. A metáfora do lápis sugere a necessidade do aprendizado da técnica de manipulá-lo, aliada a um processo de aprender a ler e a escrever. Ainda assim, mesmo que o indivíduo seja alfabetizado, mesmo que ele saiba ler e escrever o mundo, não se tem nenhuma garantia sobre a orientação ideológica das histórias e narrativas que poderá escrever e ler
[1] Poeta, museólogo, mestre em Memória Social (Unirio) e doutor em Ciências Sociais (Uerj), professor adjunto da Unirio e coordenador técnico do Departamento de Museus e Centros Culturais do Iphan.
[2] Ver SANTOS, Boaventura de Souza (org.). Democratizar a democracia: os caminhos da democracia participativa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
[3] Compreendendo que os museus tanto servem para acender como para apagar memórias, a professora Regina Abreu sugeriu que eles também sejam considerados como borrachas. Reunindo essas duas imagens podemos pensar nos museus como lápis que levam em si uma borracha.

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