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quarta-feira, 30 de julho de 2008

Maré Memória


“Pouco importa à palafita
que a cidade se deslustre.
Ela serve, a quem a habita,
de palacete palustre.

Ela forma o mais perfeito
conjunto habitacional,
pois não se tem o direito
de julgá-la bem ou mal.

Ela vem porque precisa
vir assim como ela é.
Vem tal como vem a brisa
ou como vem a maré.

Vem da própria natureza,
filha de tempos antigos,
e fica no mangue presa,
parindo humanos abrigos.

Ela vem do próprio homem,
que, civilizado ou não,
jamais impede que o tomem
por um ser da escuridão,

um ser de volta às cavernas
de sua alma escura e fraca,
que até nas eras modernas
põe a vida em lama e estaca,

com a pré-história no sangue
como atávica doença
que estende por todo o mangue
a sua raiz imensa.

A palafita é igual
a si mesma e mais nada:
é sala, é quarto, é quintal
de quem mora sem morada.

Em resumo a palafita,
mãe ou filha da maré,
não é feia nem bonita

alta ou baixa, apenas é."

José Chagas

In Livro Maré Memória

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