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domingo, 5 de agosto de 2012

" Proxenetismo cultural assistido _ a morte lenta da cultura "




" Desta minha bancada ... "


.Muito saturada de um alter.ego.centrismo reinante ( o termo é tão propositado e semanticamente conflituante quanto a prática que exprime) , ora vejamos ... vivemos tempos em que se tem como normal pedir , melhor será dizer coagir, artistas ...a trabalhar de graça ( pro bono ) para o bom nome de políticos e tecnocratas que assim se vão mantendo à tona do sistema. Eles / elas , os tecnocratas _ animados animadores , de tudo e de nada, cumprem e até superam os "objectivos" , negociados inter-pares, porque "heroicamente" conseguiram persuadir gente que vive do seu trabalho , da sua arte, a trabalhar à borla. Com esta arte negocial conseguem classificações de excelente, atingem o cume do SIADAP e tornam-se "aquela máquina" ( Lembram-se da Regisconta ? ). Na perspectiva de quem os classifica são "funcionários que realmente funcionam". Não ganham mais por isso porque não há dinheiro, mas seguram o lugar, o que já não é mau, mesmo que essa reputada "excelência" aumente a exclusão e a fragilidade daqueles que, estando fora do sistema, só lhes resta aceder a tão bárbaras condições. Quanto aos politicos, na sua maioria, mesmo os mais letrados, vêm nestes "negociadores encartados " o supra-sumo do expediente e dos bons oficios à causa, até porque, com tais resultados, lhes alimentam a ilusão de que têm uma consistente base politica de apoio. Alimentam-se assim uns e outros como massa para fermento, crescem e multiplicam-se. Está instituído o proxenetismo culturalmente assistido. Os artistas ( e cabem aqui , actores, bailarinos, cantores mais ou menos líricos, cenógrafos, pintores , escultores, cineastas, escritores) um rol sem fim, que fazem tudo por nada à espera de ... alguma coisa. À espera de Godot, continuam à espera ... . É absurdo que estejamos cada vez mais a dar para este peditório, a desinvestir no ensino das artes, na exigência e na valorização de artistas e artifices, na diferenciação dos criadores. Como podemos ter cidades criativas, "economias criativas " (agora tão na moda), se tratamos mal os criadores, se metemos tudo num saco de gatos , as tão "queridas", colectivas de artistas , um arrazoado "artistico-metafórico" populismo que serve TUDO e não serve a ninguém e que apenas alimenta o parasitismo dos negociadores do sistema ? Falta uma visão holística, um modelo integrado , claro e persistente, assente na participação, exigente e diferenciador do mérito, assente na melhoria contínua numa forte participação. Temos que saber porquê, para quê e com quem fazemos as coisas. Não dá continuarmos a ter agendas culturais que mais parecem listas telefónicas, números de náufragos que sobrevivem à tona do sistema. Na crise intensa que vivemos isto é puro desperdício. Lixo cultural ( Spam ) . Ruído _ feira de vaidades. A cultura, enquanto serviço público, tem que ser algo profundamente comprometido com a felicidade e bem-estar das pessoas. Algo que visa elevação, que puxa para cima. Algo persistente e socialmente responsável, que nos torna mais fortes. Algo permanente e seguro que cria lastro , que é plural e cosmopolita. Que ganha escala porque trabalha em escala, que conhece o território e aposta FORTE na identidade ( na transmutação das identidades e nas sua dinâmicas ) . Ao invés disto, vivemos na sociedade dos "eventos", dos efeitos, do supérfluo, entre o nada ou quase nada de alguns e a abastança de outros, mas sobretudo na generalizada falta de responsabilidade política. Vivemos entre o luxo e o lixo. Vivemos na cultura ligth do "é tão giro" , do jeitosinho que também pinta, da jeitosinha que faz uma coisinhas para entreter os dias mas que é boa pessoa ... e outras considerações subjectivas, num total desrespeito pelos profissionais, pelos públicos e utilizadores, pelos criadores (esses seres estranhos, por vezes com muito mau feitio, que mudam a face da terra e a paisagem das cidades, mas que têm o grande defeito de amar demais, de querer muito e a ingenuidade de falar livremente). A banalização da dita cultura não serve a ninguém, é um artificio populista "local" que deslocaliza a cada dia que passa quem tem a pretensão de viver dos oficios da cultura e com esse provento pagar a água, luz e renda de casa. Chega de querer federar artistas e criadores culturais em projectos populistas, de duvidosa qualidade, que só servem quem deles se aproveita para alindar a sua folha de serviço. Não é com as colectivas de artistas que lá vamos ... há lugar para TODOS , mas cada um no seu lugar. Por favor ... !


Isto tudo somado ao síndrome do "artista local" , uma veneradíssima categoria de artista que prolifera como cogumelos e que tem sempre uns espacinhos para aumentar a criação . Lembro-me das sábias palavras do grande poeta Manoel de Barros , que trazia para a poesia toda a bicharada, fantasias e lentidões do denso pantanal ( lesmas, formigas ... ) , a epifania das águas, o brejo que o viu nascer mas que nunca quis ser chamado de "poeta pantaneiro" e ele lá sabia porquê ...


Isabel Victor