O passado habita a casa do presente que, por sua vez, habita a casa do futuro e reinventa a casa do passado com o companheirismo da memória, do espaço, das coisas, das imagens e das palavras. E afinal, de que são feitas as casas se não desses ingredientes regados num caldo cultural próprio e específico?
“O passado, o presente e o futuro – diz o autor de A poética do devaneio – dão à casa dinamismos diferentes, dinamismos que não raro interferem, às vezes se opondo, às vezes excitando-se mutuamente. Na vida do homem, a casa afasta contingências, multiplica seus conselhos de continuidade. Sem ela, o homem seria um ser disperso. Ela mantém o homem através das tempestades do céu e da vida. É corpo e é alma. É o primeiro mundo do ser humano.” (Bachelard, 2003, p.26)
Ainda que a casa seja tudo isto que até agora se disse sobre ela e muito mais, resta articular essas idéias com a categoria casa museu. Para iniciar essa articulação, pode-se fazer o exercício de ler as casas museus a partir das três zonas (“estar”, “repouso” e “serviço”) presentes em todas as casas. Uma leitura por esse viés, especialmente se realizada numa perspectiva comparativa, propiciaria uma compreensão arquitetônica, histórica e social da casa museu; permitiria perceber o lugar da casa na sociedade, o lugar dos habitantes na casa, particularmente o lugar dos homens, das mulheres e das crianças, e até mesmo o valor estético da casa museu, como expressão da criação humana; mas essa leitura não tocaria na dimensão poética, filosófica e política da casa museu. Afinal de contas, porque essa casa – e exatamente essa casa – foi transformada em uma casa museu? Por que essa casa deixou de servir como habitação de pessoas, foi ressignificada, e passou a ser um espaço explicitamente poético e político? Por que a vontade de memória, a vontade de patrimônio e a vontade de museu se concentraram nessa casa - e exatamente nessa casa - transformando-a num espaço de teatralização do passado e de criação de memórias do futuro?
São muitas as perguntas, mas, como aconselha Rainer Maria Rilke, é preciso vencer o desejo juvenil de querer responder apressadamente a todas as perguntas. É recomendável aprender a conviver com elas, dormir e acordar com elas, para que elas (as perguntas) possam fazer em nós o trabalho que lhes compete fazer.
As casas museus (sejam elas casas das camadas populares, das classes médias ou das elites sociais e econômicas), a rigor, são casas que saíram da esfera privada e entraram na esfera pública, deixaram de abrigar pessoas, mas não deixaram necessariamente de abrigar objetos, muitos dos quais foram sensibilizados pelos antigos moradores da casa. As casas museus e os seus objetos servem para evocar nos visitantes lembranças de seus antigos habitantes, de seus hábitos, sonhos, alegrias, tristezas, lutas, derrotas e vitórias; mas servem também para evocar lembranças das casas que o visitante habitou e que hoje o habitam.
Para Walter Benjamin, que visitou a casa museu de Goethe e sonhou, os museus são casas de sonho do coletivo. Por essa vereda, as casas museus podem ser compreendidas como casas que propiciam sonhos de casas e que unem universos individuais e particulares com universos coletivos.
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