Este blogue discorda do acordo ortográfico.

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012


O azulejo
constitui uma das expressões mais populares e mais requintadas da arte que se
faz em Portugal, sendo nele muitas vezes expressa a história e cultura de um
povo ou das gentes de uma cidade.
Embora a sua
origem não seja portuguesa, mas árabe (Al zulaic), o azulejo foi uma das
expressões artísticas que teve no nosso país, e particularmente em Aveiro, um
desenvolvimento muito sui generis.
Os primeiros
trabalhos em azulejos existentes nesta cidade, remontam ao século XV,
coincidindo com o arrancar da actividade cerâmica como actividade económica de
relevo para a região. São hoje escassos os azulejos dessa época, devido aos
inúmeros restauros realizados. No entanto, ainda se podem encontrar no convento
de Santa Joana exemplares de azulejos deste século, ligados certamente à
fundação deste.
Os painéis de
azulejos etnográficos, históricos ou de figuras populares foram embelezando e
dando vida a paredes nuas, com mensagens de saudade e de amor, que muito
contribuíram para uma imagem de Aveiro com mais policromia e luz. Existem na
cidade, dois pontos fulcrais deste tipo de azulejaria: a casa de Santa Zita e a
Estação dos Caminhos de Ferro.
Diz-se que em
cinco séculos não houve país que produzisse azulejos com tanta qualidade e
quantidade como Portugal.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Azulejos séc. XVIII


Tendo por base os azulejos de Delft (Holanda), desenvolveu-se em Portugal uma forma muito própria de azulejo durante o séc. XVIII. A figura avulsa é um azulejo que apresenta uma decoração principal com motivos diversificado, sendo os mais comuns as flores, animais, figuras humanas, entre outros.No nosso país, foram muito utilizados, entre outros locais, em lances de escada, cozinhas e sacristias de igrejas e conventos.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

DIZ-ME ONDE MORAS...

"Um dos grandes problemas da sociedade portuguesa é o trauma da morada.Por exemplo, há uns anos, um grande amigo meu, que morava em Sete Rios, comprou um andar em Carnaxide. Fica pertíssimo de Lisboa, é agradável, tem árvores e cafés. Só tinha um problema. Era em Carnaxide. Nunca mais ninguém o viu. Para quem vive em Lisboa, tinha emigrado para a Mauritânia! Acontece o mesmo com todos os sítios acabados em -ide, como Carnide e Moscavide. Rimam com Tide e com Pide e as pessoas não lhes ligam pevide. Um palácio com sessenta quartos em Carnide é sempre mais traumático do que umas águas-furtadas em Cascais. É a injustiça do endereço. Está-se numa festa e as pessoas perguntam, por boa educação ou por curiosidade, onde é que vivemos. O tamanho e a arquitectura da casa não interessam. Mas morre imediatamente quem disser que mora em Massamá, Brandoa, Cumeada, Agualva-Cacém, Abuxarda, Alfornelos, Murtosa, Angeja, ou em qualquer outro sítio que soe à toponímia de Angola. Para não falar na Cova da Piedade, na Coina, no Fogueteiro e na Cruz de Pau. Ao ler os nomes de alguns sítios - Penedo, Magoito, Porrais, Venda das Raparigas, compreende-se porque é que Portugal não está preparado para entrar na Europa. De facto, com sítios chamados Finca Joelhos (concelho de Avis) e Deixa o Resto (Santiago do Cacém), como é que a Europa nos vai querer integrar? Compreende-se logo que o trauma de viver na Damaia ou na Reboleira não é nada comparado com certos nomes portugueses. Imagine-se o impacto de dizer "Eu sou da Margalha" (Gavião) no meio de um jantar. Veja-se a cena num chá dançante em que um rapaz pergunta delicadamente "E a menina de onde é?", e a menina diz: "Eu sou da Fonte da Rata" (Espinho). E suponhamos que, para aliviar, o senhor prossiga, perguntando "E onde mora, presentemente?", Só para ouvir dizer que a senhora habita na Herdade da Chouriça (Estremoz). É terrível. O que não será o choque psicológico da criança que acorda, logo depois do parto, para verificar que acaba de nascer na localidade de Vergão Fundeiro? Vergão Fundeiro, que fica no concelho de Proença-a-Nova, parece o nome de uma versão transmontana do Garganta Funda. Aliás, que se pode dizer de um país que conta não com uma Vergadela (em Braga), mas com duas, contando com a Vergadela de Santo Tirso ? Será ou não exagerado relatar a existência, no concelho de Arouca, de uma Vergadelas?É evidente, na nossa cultura, que existe o trauma da "terra". Ninguém é do Porto ou de Lisboa. Toda a gente é de outra terra qualquer. Geralmente, como veremos, a nossa terra tem um nome profundamente embaraçante, daqueles que fazem apetecer mentir. Qualquer bilhete de identidade fica comprometido pela indicação de naturalidade que reze Fonte do Bebe e Vai-te (Oliveira do Bairro). É absolutamente impossível explicar este acidente da natureza a amigos estrangeiros ("I am from the Fountain of Drink and Go Away..."). Apresente-se no aeroporto com o cartão de desembarque a denunciá-lo como sendo originário de Filha Boa. Verá que não é bem atendido. (...) Não há limites. Há até um lugar chamado Cabrão, no concelho de Ponte de Lima !!! Urge proceder à renomeação de todos estes apeadeiros. Há que dar-lhes nomes civilizados e europeus, ou então parecidos com os nomes dos restaurantes giraços, tipo : Não Sei, A Mousse é Caseira, Vai Mais um Rissol. (...) Também deve ser difícil arranjar outro país onde se possa fazer um percurso que vá da Fome Aguda à Carne Assada (Sintra) passando pelo Corte Pão e Água (Mértola), sem passar por Poriço (Vila Verde), e acabando a comprar rebuçados em Bombom do Bogadouro (Amarante), depois de ter parado para fazer um chichi em Alçaperna (Lousã).
(Miguel Esteves Cardoso)

Tecendo Natais...

A década de oitenta percorria a passadeira do tempo. Foi ela que me trouxe estes natais que hoje recordo. Era ainda solteiro.
Durante o dia, aos poucos, como pequenas revoadas de andorinhas, os meus irmãos iam chegando — de Montalegre, do Pinhão, do Porto, de Paris e, por vezes, de Melbourne. E a casa acendia-se, ganhava vida e calor como um ventre. Parecia ter alma! A cada chegada, a pirâmide das prendas, de braço dado com o pinheiro, ganhava altura e ateava a curiosidade dos mais novos. A família, do amanhecer ao colo da noite, ia-se desfragmentando, ficando inteira sob o mesmo teto, onde a retorta da união, borbulhando de afeto, decantava o sal da saudade, tornando-nos capazes voltar a desafiar o tempo. Os olhos da minha mãe tinham então outro brilho, e o seu rosto floria numa expressão de alegria quase pueril. Incansável, em constante vaivém pela casa, fazia-se omnipresente, dava-se a uma seara de três gerações.
Habitualmente, havia mais de vinte pratos sobre uma mesa ampla que enchia toda a sala de jantar. Durante a ceia, falávamos um pouco de tudo: contávamos histórias e anedotas, lembrávamos o passado, outros natais, os que já nos tinham deixado e os mais distantes, lá no outro lado do mundo, que ligavam sempre para também, assim, estarem connosco à mesa. O telefone saltitava de mão em mão, ouvindo os repetidos votos de um Santo Natal e feliz Ano Novo. E todos os diálogos, forçosamente curtos, terminavam com o mesmo cliché: “vou passar-te a Nor”; “vou passar-te a Carmo”; “vou passar-te a Fátima”… As crianças, ansiosas e excitadas, comiam rapidamente. E nem a sobremesa os retardava. Antes dos cafés chegarem à mesa, já elas estavam na sala de estar a ver televisão, com os olhos ora no ecrã ora no colorido dos presentes, deambulando, como ovelhinhas soltas em viçoso pasto, nos cumes da paciência.
Um dos filhos vestia-se de Pai Natal, e entregava as prendas, uma a uma. Era um ritual, acompanhado de aplausos, que demorava cerca de meia hora. Depois dos agradecimentos, enquanto os catraios mergulhavam nas suas novas fantasias, como se se afundassem, subitamente, num mundo paralelo, esfolheávamos páginas de nós, à volta da mesa e da braseira, pela noite dentro, até o sono ser de chumbo e o corpo não poder mais.
A manhã seguinte nascia sempre preguiçosa e a declinar as horas. Depois, acabava por precipitar o relógio e, a contragosto, lá servia as despedidas:
— Deus queira que de hoje a um ano!
— Cá estaremos, se Deus quiser!
— Então não há de querer?!
No forro daquelas pequenas frases feitas, saídas do peito como um disfarçado esconjuro, escondia-se o inconfessável receio de não nos voltarmos a juntar todos no Natal seguinte. Era como se o próprio tempo, nesse momento, nos viesse cobrar, em silêncio, as suas generosas concessões, e lembrar-nos de que tudo neste mundo tem um fim.
— Ide com cuidado, que as estradas estão cheias de gelo! — recomendava a minha mãe, com o coração nas mãos. — Telefonai ao chegar!
A casa, a cada despedida, ia esmorecendo a sua chama, ganhando os desmaiados tons da melancolia. A mesa permanecia cheia de tudo, mas geometricamente só, inerte como um palco sem atores. Os casados partiam para outros lares, que os esperavam para um “segundo Natal”. Eu e os meus dois irmãos mais novos, também solteiros, ficávamos com a minha mãe a enganar o vazio frio que restava e a desfiar saudade.
Só então ela se rendia ao quebranto. Depois do almoço, com o ramerrão da casa resolvido, deitava-se sobre a cama, e descansava placidamente. O seu corpo pequeno — franzino, encolhido sobre a colcha, mal coberto por uma delicada manta de lã — e sua expressão quase meninil, enquanto dormia, eram de uma rapariguinha que, em sonhos, desdobando o fio do tempo, estava ali entretida a tecer natais, passados e futuros...

Flávio Monte