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sábado, 30 de outubro de 2010

Falar Algarvio

Besoirar…

Nem sempre nos consciencializamos que um dos patrimónios mais importantes que temos é o tempo. Do seu aproveitamento e boa organização diária depende, na prática, toda a nossa vida e a serenidade que importa manter.
O falar quotidiano típico das nossas gentes é outro património a valorizar e, por isso, o vocábulo ‘besoirar’ me ocorreu a esse propósito. Era palavra que meu pai empregava amiúde, não exactamente no sentido que aparece no Dicionário do Falar Algarvio – incomodar com barulho, com palavras monótonas, como o besoiro que anda à nossa volta e não nos larga, zum… zum… – mas para caracterizar a atitude de quem faz agora isto e ainda não acabou e vai fazer aquilo e depois se lembra de mais uma coisa e outra de seguida e… nunca mais se despacha!...
Como o dia daquele senhor, já passada a meia idade, que pegava nas chaves do carro para as arrumar e, de caminho, via uma carta e se ‘passeava’ assim, de tarefa em tarefa, o dia todo… e, no final da tarde, as chaves do carro continuavam fora do sítio! Relevante sinal de alerta para a nossa capacidade de concentração, de consciente aproveitamento do tempo – na opção, a cada momento, pela prioridade a gerir…
Anda o besoiro dum lado para o outro, zumbindo, num espalhafato, sem rumo, poisando aqui e acolá… E a gente acaba por não saber o que é que ele, na verdade, quer!...
Ora bolas! Será que, afinal de contas, este «A retalho», hoje, virou… parábola?

Publicado em VilAdentro [S. Brás de Alportel], nº 138 (Julho 2010) p. 10.

domingo, 17 de outubro de 2010

A importância da toponímia


Nunca será de mais salientar a importância da toponímia, ou seja, dos nomes atribuídos a um lugar, a um arruamento.
De um modo geral, é o povo o gerador desse baptismo, baseado na tradição: ou porque ali se deu um facto que ficou na memória de todos; ou porque ali existia algo de fora do comum e que, por isso, se tornava ponto de referência; ou ali viveu personagem famoso…
Sou visceralmente partidário da manutenção dos nomes que o povo atribuiu; preconizo que, para além do papel (importantíssimo!) das juntas de freguesia, porque são os seus eleitos que mais perto estão da população, deverá existir em cada concelho uma Comissão de Toponímia, porque as propostas hão-de ser analisadas também numa perspectiva geral, para evitar duplicações que geram confusão, nomeadamente a nível da distribuição postal.
E assim quando, mormente na década de 60, novos arruamentos surgiram em Cascais, a Comissão de Toponímia optou – e muito bem! - por agrupar nomenclaturas: este bairro tem nomes de aves, aquele de pintores, aqueloutro de escritores…
Contudo, a homenagem que importa fazer aos que entre nós se distinguiram e cuja memória se quer preservar ‘obriga’ as juntas e a Câmara a um exercício em que se procura não prejudicar muito os moradores, tendo em conta, por exemplo, os registos de propriedade. Desta forma, as rotundas têm sido, nos últimos tempos, os alvos predilectos da nova toponímia, por, de um modo geral, não implicarem outras mudanças.
Manuel Eugénio F. Silva e José Ricardo C. Fialho – na sequência do que já haviam feito para Cascais – acabam de preparar para a Junta de Freguesia do Estoril o livro Toponímia na Freguesia de Estoril – Os Nossos Arruamentos. Uma iniciativa de muito louvar, porque assim cada vizinho acaba por melhor se identificar com o local em que vive: quem foi este personagem, quando se deliberou dar este nome… Bem ilustrado, constitui um repositório do maior interesse – que porventura suscitará, mais tarde, uma outra curiosidade: porque é que, em determinada sessão camarária, se deliberou aceitar a proposta da Junta e dar este nome a esta rua? Terá nesse aspecto papel primordial a consulta dos arquivos camarários e, também, a da imprensa local.

Publicado em Jornal de Cascais, nº 236, 28-09-2010, p. 6.

Por José d'Encarnação

sábado, 16 de outubro de 2010

Rota da Cortiça

Cortiça, a rainha!

Muitas iniciativas têm sido eficazmente levadas a cabo entre nós para que S. Brás continue a figurar na rota da cortiça. Há, de resto, a associação «Rota da Cortiça» – www.rotadacortica.pt/ – que tem como palavra de ordem: «Mais do que um percurso, uma história». E é.
Desde moço pequeno que vivo nessa «rota», porque, além de meu pai ter ido anos a fio, como muitos são-brasenses, para a «esgalha da cortiça», inclusive por esse Alentejo além, a água do cântaro bebia-se no cocharro (sábio aproveitamento dos nós da árvore); o almoço levava-se na tarreta; e até minha avó deixava o grão de molho, de um dia para o outro, num ‘alguidar’ que nada mais era do que um cocharro em ponto grande; no dia seguinte, era também com um pedaço de cortiça (como se fosse pequena tábua à medida da mão) que, sabiamente, tirava as peles do grão, para que a sopa ou o cozido não tivessem desagradáveis asperezas.
Não sei como se chama essa pequena ‘prancha’ nem se tem nome próprio (tê-lo-á, decerto) o alguidar. Daqui fica, pois, o apelo aos membros da Rota: neste âmbito do ‘património do falar’ sobre que me debrucei da última vez, vamos recolher essa terminologia, vamos preparar nova exposição com estes utensílios de ancestral uso quotidiano? Será uma forma de, fazendo um percurso, história fazermos também!

Publicado em VilAdentro [S. Brás de Alportel], nº 141 (Out 2010) p. 10.

Património Imaterial

Património do falar

Ainda que não isento de polémica, pelo que me constou, eventual cópia (disse-se) de algo já feito, temos, com assinatura de Eduardo Brazão Gonçalves, o Dicionário do Falar Algarvio.
Uma iniciativa de fixar o que o povo usa no seu quotidiano e que constitui, por isso, património a não perder. E a palavra «património» assume aqui o seu real significado como algo de típico a transmitir de pais para filhos.
Bichoco, por exemplo, era palavra que eu ouvia amiúde, com um significado preciso: não era a simples ferida provocada por esfoladela ou arranhão; o bichoco era algo que viera de dentro, uma chaga a criar pus, a denunciar mal interior, difícil de sarar e de origem estranha, desconfiava-se que maligna.
E «chaga sem mezinha»? Uma pessoa incorrigível, incómoda, incurável, por mais conversa e conselhos que houvesse. Não tinha remédio. Não havia mezinha que lhe valesse!
Neste âmbito das dores e das mezinhas, dizia-se: «Ó homem, espera aí, não corras, que isto não é sangria desatada!»…

Publicado em VilAdentro [S. Brás de Alportel], nº 139/140 (Ago/Set 2010) p. 10.